terça-feira, 30 de janeiro de 2018

MULHERES NO GRAFFITI: TERRITORIALIDADES MÚLTIPLAS NO ESPAÇO URBANO

por Ana Honorio

O conceito de território envolve noções que perpassam os âmbitos político, econômico e cultural. Tendo o poder como elemento central de análise, podemos pensar o território no sentido concreto e material – de dominação, e no sentido simbólico – de apropriação. Nessa abordagem culturalista do território urbano articulamos algumas categorias para análise (como gênero, estética, classe e raça) a fim de entendermos as múltiplas faces das territorialidades do graffiti feminino no espaço urbano. Territorialidade, portanto, é um conceito fundamental para entendermos as ações, organizações e a tomada de poder na cidade por mulheres no graffiti. 

O graffiti é uma forma artística e visual de expressão que atua na disputa simbólica, política e estética de uma cidade. Ao aprofundarmos na história contemporânea dessa cultura vemos que a participação feminina na cena foi subestimada pelos garotos do graffiti e, além do mais, os aparatos de repressão do estado atuam para cercear e criminalizar a prática do graffiti. De modo, podemos afirmar que a mulher grafiteira sofre opressões dentro e fora da cultura, a territorialidade feminina atua, portanto, em duas dimensões: a primeira é a disputa por espaços no interior da cena do graffiti e a segunda é a apropriação de espaços na cidade historicamente negados às mulheres periféricas. As grafiteiras ao se impor na cidade se contrapõem com a imagem hegemônica que a estrutura patriarcal, racista e classista impõe sobre o corpo feminino.

Historicamente na América Latina houve clara distinção do grupo letrado que se dedicavam às obras literárias como desenhistas de modelos culturais, destinados à constituição de ideologias públicas, enquanto que a mulher negra e indígena eram escravizadas e violentadas de diversas maneiras (Rama, 1985). Assim uma mulher periférica nos dias de hoje fazendo arte (coisa que era destinada apenas aos homens livres e letrados) e ocupando o espaço urbano enfrentando todos os riscos é um ato de empoderamento e representação em territórios historicamente negados a elas.

Simbolicamente, a presença da mulher periférica ocupando os muros da cidade é um rompimento com o projeto colonizador da América Latina que pautou em escravizar-las e submete-las ao espaço doméstico. O simples ato de grafar o seu nome no muro representa não só “estratégias de reconquista da cidade e sua paisagem, mas um reposicionamento estratégico sobre o imaginário urbano escrito com nome de mulher.” (TORRES, 2019 p. 6). Grafitar, portanto é uma atitude ao trazer visibilidade e representatividade para as mulheres oportuniza o rompe com o discurso e estética androcentrados da cidade.

A visibilidade, para além do espectro visível, é uma disputa política e simbólica nos espaços públicos e privados, por direitos e representatividade de pessoas ocultadas da visualidade urbana: “A disputa pela visibilidade na paisagem urbana estabelece uma tensão

permanente entre os sujeitos que buscam seu reconhecimento, por vezes, ocultados por regimes de visibilidade que definem os padrões estéticos norteadores do ordenamento das cidades” (TARTAGLIA, 2015, p. 129).

As territorialidades visuais dos graffitis femininos configuram nas paisagens urbanas territórios de sentidos contra-hegemônicos do ser mulher na cidade expressando uma gramática de vozes marginalizadas e transgressoras da realidade imposta às mulheres.

Ao analisarmos a história das mulheres do graffiti vemos que, apesar de toda subjulgação dentro e fora da cena, as grafiteiras participaram ativamente do processo de evolução da cultura e estética do graffiti. Se nos primórdios da cena as mulheres eram iniciadas por ser a namorada do grafiteiro e vistas como eternas aprendizes, atualmente as elas conquistaram um espaço que transcendeu a cena do graffiti, ocupando do underground ao mainstream ocupando galerias de arte, escolas, universidades, livros e muros.

A evolução da cena no Brasil especificamente ganhou relevância a partir dos anos 2000 quando começou a se formar redes e grupos de grafiteiras. A organização coletiva de mulheres no graffiti oportunizou a conexão de mulheres espalhadas pelo Brasil inteiro.

Assim, entendendo que a manifestação estética do graffiti intersecsiona territorialidades simbólicas e materiais, podemos afirmar que a presença feminina no graffiti engendra multiterritorialidades, pois envolve uma trama complexa de ações e organizações envolvendo indentidade, estética e cultura e a reapropriação dos espaços de poder na cidade.

A partir de seus elementos estéticos o graffiti contemporâneo oportuniza a iniciação de muitas meninas no campo das artes plásticas e, para além disso, é por meio dessas grafias que as mulheres territorializam a sua voz demarcando seu espaço na cidade, fazendo da superfície urbana um lócus de afirmação identitária e contestação política na busca de direitos coletivos

Nenhum comentário:

Postar um comentário