quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DE ENSINO DE BIOGEOGRAFIA


PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DE ENSINO DE BIOGEOGRAFIA NA GEOGRAFIA ESCOLAR: O VIOLÃO COMO RECURSO DIDÁTICO

Rafael de Souza Alves
Licenciado em Geografia pela Universidade Federal de Viçosa
Integrante do Laboratório de Biogeografia e Climatologia – BIOCLIMA UFV


Introdução
“Não posso ser professor sem me pôr diante dos meus alunos, sem revelar com facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar à apreciação dos alunos. [...] Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo” (FREIRE, 1996, p. 96)[1].

O presente texto consiste em uma síntese da oficina de mesmo título proferida para alunos da Escola Santa Rita de Cássia, localizada em Viçosa-MG, tendo como público alvo estudantes de diferentes idades e nível da educação básica. Em um segundo momento, a experiência foi compartilhada com os graduandos em Licenciatura do curso de Geografia da Universidade Federal de Viçosa, também bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID).
A música e os instrumentos musicais, de modo geral, sempre fizeram parte de meu universo familiar e social. Dessa forma, a construção da oficina, tendo o violão como um recurso didático, revela a aproximação do “eu” professor com o “eu” sujeito social, distante do ambiente profissional; ela é uma singela aproximação entre o que sou e o que faço, e também uma expressão de minha maneira de ser – profissional e pessoal.


Momentos Precedentes
A elaboração da oficina iniciou-se com uma pesquisa detalhadas sobre violões, buscando respostas para as seguintes perguntas: Porque em cada parte do instrumento se utiliza um tipo específico de madeira? De qual Bioma ou Domínio Morfoclimático provem tais madeiras? Como a relação entre sociedade e natureza se manifesta dentro dessa temática?
Para direcionar as investigações e também aproximar os alunos do recurso didático estabelecido, foram realizados maiores estudos e pesquisas sobre o violão que possuo, sendo ele da marca Holfma, modelo HM 210 NT. Não seria pertinente discutir os questionamentos levantados anteriormente a partir de outro violão qualquer, que não fosse possível de leva-lo para a oficina. Isso, porque o violão foi adotado como artefato a permitir uma relação escalar, entre o local e o global, e também como veículo a reportar os discentes aos Biomas a serem discutidos. Parte das fontes de pesquisa utilizadas na estruturação da oficina foram sites de fabricantes de instrumentos musicais (madeiras e processo de fabricação), lojas de vendas de violão (preço de mercado) e blogs de Luther.

O Desenvolvimento da Oficina
Inicialmente foi realizada uma discussão com os estudantes a partir da pergunta: “o que é a Biogeografia?”. Para subsidiar o diálogo foi utilizada a figura 1 como recurso visual. Na ocasião foi feita uma discussão do papel do Homem a distribuição espacial dos seres vivos na superfície da Terra, bem como a maneira em que a Biogeografia está presente nos livros didáticos. Vale ressaltar que na ocasião, não cabe uma discussão epistemológica junto aos estudantes da educação básica a respeito da Biogeografia, haja vista que esse não é o propósito da Geografia Escolar.


Figura 1. Figura utilizada para subsidiar a discussão a respeito do que é a Biogeografia

O momento seguinte foi a apresentação do que seria discutido ao longo da oficina, sendo a relação entre sociedade e natureza a partir do violão da marca Hofma, modelo HM 210 NT, enfatizando:
1.      a matéria prima (madeira) para a fabricação do mesmo e as características do Bioma de onde ela é extraída;
2.      o processo de seleção da madeira e cuidados na extração;
3.      a relação entre disponibilidade dos recursos na natureza (madeiras), manuseio da madeira pelo Luthier e custo final do instrumento.   

O instrumento foi apresentado aos alunos em uma discussão a respeito da sua marca, qualidade sonora, relação custo benefício e madeiras utilizadas para a sua construção. A madeira indica o básico, a natureza sonora do violão e suas características iniciais como timbre, volume e ataque. As partes que constituem o instrumento são (Figura 2):

Figura 2. Partes constituintes de um violão

Depois de apresentado as partes que compõem o violão foram elencadas as madeiras nele existentes e o Bioma onde são encontradas:
  • Tampo – madeira de nome Abeto – Floresta Temperada;
  • Lateral e Fundo – madeira de nome Nogueira – Floresta Temperada;
  • Braço e Mão – madeira de nome Mogno Oriental – Floresta Equatorial (Amazônia);
  • Escala e Rastilho – madeira de nome Jacarandá-da-Bahia – Mata Atlântica;

Na sequência foi discutida as características de cada Bioma onde são encontradas as madeiras para a fabricação do violão em cena, com destaque para o nível de degradação da vegetação e suas consequências.
A título de exemplo podemos aqui destacar o Jacarandá-da-Bahia. Essa madeira tem se tornado padrão de qualidade máximo na fabricação de violões, sobretudo quando empregada na lateral e fundo dos instrumentos. No entanto, os violões fabricados utilizando quantidade significativa do Jacarandá-da-Bahia tendem a ter preços baste elevados, muito em função das dificuldades em encontra-la no ambiente, fazendo com que ela chegue a custos elevados às mãos dos fabricantes e posteriormente aos consumidores.
A escassez do Jacarandá-da-Bahia está intimamente relacionada ao processo histórico de devastação da Mata Atlântica, atualmente reduzida a cerca de 7% de sua formação original. Dessa forma, a relação entre sociedade e natureza estabelecida em áreas de domínio da Mata Atlântica levou a uma baixa disponibilidade da matéria prima de alta qualidade para a fabricação de violões. Analogias como essas foram feitas na discussão de todos os Biomas elencados acima, com o devido cuidado nas afirmações, pois a madeira não é o único elemento a influenciar no preço de um violão.

Considerações Finais
A aplicação da oficina mostrou-se pertinente por ter abordado uma situação próxima ao cotidiano dos discentes, sobretudo por está relacionado a música, levando-os a se interessarem pela temática discutida.
Foi observado que nos momentos de manuseio do violão, como demonstração de sua partes componentes, marca, qualidade sonora, o envolvimento dos estudantes era maior, em comparação aos momentos de discussão das características dos Biomas. Dessa forma, a experiência mostrou que é preciso repensar a maneira de discutir os aspectos gerais referentes aos Biomas.




[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.